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A trama de Blade Runner se baseia na ideia de que a linha que separa a humanidade dos replicantes (“robôs” com uma inteligência artificial similar à inteligência humana) se torne cada vez mais tênue, o que naturalmente traz a pergunta: o que nos faz humanos (senão nossa espécie)? O que significa ser humano? Se for o ato de pensar, então os replicantes também o são, como retratado quando a replicante Pris cita Descartes no filme. O padrão que é utilizado acaba sendo a capacidade de empatia, testada pelo teste Voigt-Kampff; mas até isso é pernicioso, pois quem garante, por exemplo, que um ser humano que tenha psicopatia (ausência de empatia) seja identificado como sendo humano? Um ser humano é caracterizado somente pela capacidade de ter empatia? E se um replicante acabar desenvolvendo naturalmente (por machine learning, p. ex.) essa capacidade, ele qualifica para ser (aparentemente) humano?

Acabam surgindo duas visões sobre a IA emergente: que ela é inferior a um ser humano (vide blade runners como Deckard), e de que ela é uma aperfeiçoação do ser humano (vide J. F. Sebastian). Surge um dilema: caso replicantes não tenham direitos como nós, é possível que hajam mais rebeliões e violência (como retratado no jogo Detroit: Become Human), e talvez seja até descabido, por colocá-los sob uma jurisdição que não gire em torno do interesse deles; e caso replicantes sejam agraciados com direitos humanos, então da noite para o dia eles ganharam mais “privilégios” que populações humanas marginalizadas, que antes se sentiam quase “subhumanas”, e agora “são menos” que seres sequer da sua espécie.

Existe um conceito chamado de uncanny valley, que permeia toda essa discussão sobre algo parecer humano ou não: robôs que tenham características levemente humanas são considerados adoráveis (como C3PO), mas existe um “gap” entre isso e um robô que pareça verdadeiramente humano; muitas obras artísticas operam nesse “vale da estranheza”, entre elas Blade Runner, em
seus diálogos secos e mecânicos, colocando ambos humanos e replicantes no mesmo nível de estranheza ao espectador. Na vida real, existem tanto robôs adoráveis (como os da Aldebaran Robotics) quanto alguns que… nem tanto (desculpe, Sophia, primeiro robô que ganhou cidadania na Arábia Saudita). Contudo, a tendência de desenvolvimento da inteligência artificial aparenta ser exponencial, e a previsão é de que, assim que a inteligência artificial alcance níveis humanos, ela nos ultrapasse em níveis acelerados.


Referências