up:: Processo de Produção Capitalista
A noção de pobreza está implicada pela pressuposição sobre o que é “riqueza”, e este é um termo há séculos cooptado pela visão burguesa: riqueza é posses, cédulas e homens que se tem no próprio bolso; pobreza é a escassez disso.
Geralmente vemos como rico o estereótipo do Tio Patinhas, com um cofre abarrotado de ouro (i.e. posses materiais), mas também vemos como rico aquele que manda e desmanda em países inteiros sem uso de força militar, meramente por artifícios econômicos1: muitas vezes a própria concorrência desleal compra o orgulho humano que nenhum dinheiro compraria.
“A burguesia, pelo rápido melhoramento de todos os instrumentos de produção, pelas comunicações infinitamente facilitadas, arrasta todas as nações, mesmo as mais bárbaras, para a civilização. Os preços baratos das suas mercadorias são a artilharia pesada com que deita por terra todas as muralhas da China, com que força à capitulação o mais obstinado ódio dos bárbaros ao estrangeiro. Compele todas as nações a apropriarem o modo de produção da burguesia, se não quiserem arruinar-se; compele-as a introduzirem no seu seio a chamada civilização, i.e., a tornarem-se burguesas. Numa palavra, ela cria para si um mundo à sua própria imagem.” (Manifesto Comunista)
Neste sentido cotidiano, pobre é aquele que não possui posses, nem de bens nem de trabalho alheio – pior ainda quando não possui nem ao menos o próprio trabalho, quando até mesmo esta vitalidade intrínseca não mais lhe é pertencente, quando nem seu tempo é seu, quando os propósitos pelos quais labuta não são mais seus. Mais do que apenas não possuir o produto de seu próprio trabalho, A alienação do trabalho se trata sobre propósitos alheios ao trabalhador.
“Temos de reconhecer que nosso trabalhador sai do processo de produção diferente de quando nele entrou. No mercado, ele, que possui a mercadoria força de trabalho, defronta-se com outros possuidores de mercadorias: um possuidor de mercadoria diante de outros possuidores de mercadorias. O contrato pelo qual vende sua força de trabalho ao capitalista prova – por assim dizer, põe o preto no branco – que ele dispõe livremente de si mesmo. Fechado o negócio, porém, descobre-se que ele não era ‘nenhum livre agente’, que o tempo de que livremente dispõe para vender sua força de trabalho é o tempo em que é forçado a vendê-la, que, na verdade, seu parasita não o deixará ‘enquanto houver um músculo, um nervo, uma gota de sangue para explorar’.” (MARX, p. 373)
A pobreza é uma criação capitalista, mesmo que a carestia tenha sido algo bem conhecido da humanidade há eras. Quando se argumenta que o capitalismo “acabou com a pobreza”, isto é falso, mas por motivos sutis: a carestia tornou-se, em geral, menos rampante, isso é verdade, mas nem por isso nos sentimos, portanto, “ricos”; nos sentimos menos sedentos, menos hipocondríacos, mas nem por isso nos sentimos saudáveis.
O fim2 desta carestia de condições materiais veio a um custo: a alma dos despojados. Não só a submissão física, mas necessariamente a submissão espiritual do indivíduo foi (e é) necessária ao avanço do capital, e, portanto, ao “combate à pobreza”. Ou seja, o capital pode até ter combatido a carestia, mas deixou um rastro de pobreza em seu caminho. Como uma alusão às suas origens feudais, o capital bem sabe que seu melhor servo é aquele que lhe deve com sua vida.
Referências
- Manifesto do Partido Comunista
- MARX, Karl. O Capital. Livro 1: O processo de produção do capital. Boitempo Editorial, 2013.
Footnotes
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Em geral financeiros (p. ex. bancários), mas não só, p. ex. tecnológicos. Dependência de tecnologia externa é imperialismo tecnológico. ↩
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Fim para quem? ↩