O Capital, I ─ Cap 23 - A Lei Geral da Acumulação Capitalista

Objetivos

  • Demonstrar efeitos da acumulação do capital sobre a força de trabalho
    • Sobre os salários
    • Sobre o nível de emprego
  • Conceitos
    • Composição do capital
      • Técnica
      • Orgânica
    • Superpopulação Relativa/Exército Industrial de Reserva
      • Flutuante
      • Latente
      • Estagnada
      • Pauperismo

Composição do Capital

Para iniciar/dar continuidade ao seu processo de produção, o capitalista deve comprar

Há uma dupla ótica da composição do Capital

  • Ponto de vista da matéria: composição técnica do capital, pois é a composição física da massa de meios de produção com a massa de trabalho que deve colocá-la em movimento
  • Ponto de vista do valor: composição-valor, que “à medida que é determinada por sua composição técnica e espelha suas modificações” é chamada de composição orgânica do capital.
    • Essa é a composição do capital que convém analisar

Duas óticas da composição do capital

O efeito da acumulação sobre a força de trabalho

A mais-valia reinvestida a cada ciclo de produção do capital divide-se em meios de produção e força de trabalho conforme as condições técnicas vigentes, i.e. conforme a necessidade de força humana para por em movimento os meios de produção, i.e., conforme a composição orgânica do capital.

Primeiro caso: composição constante do capital

A composição orgânica do capital se manter constante quer dizer que o capital investido em meios de produção e força de trabalho se mantém em proporções iguais ao longo do tempo.

Exemplo:

  • Ano 1:
    • Gastos com MP: $50
    • Gastos com FT: $50
  • Ano 2:
    • Gastos com MP: $75
    • Gastos com FT: $75
  • etc

Com isso, tem-se que a procura por força de trabalho vai aumentar na mesma proporção que o capital aumentar (i.e. que o mais-valor reinvestido aumentar).

Surgem dois casos:

  • Caso essa acumulação do capital (i.e. respectiva demanda por força de trabalho) cresça mais rapidamente que o crescimento da população trabalhadora, então haverá uma procura maior por força de trabalho, a qual se apresentará mediante maiores salários
    • Porém, tais aumentos são restritos à acumulação do mais-valor (maiores salários, menos mais-valor disponível para ser reinvestido)
  • Caso a acumulação seja menor, diminuirá a procura por força de trabalho, haverá um aumento da superpopulação relativa, desaparecendo a pressão por salários maiores, logo diminuindo os salários
    • Tal diminuição permite que haja mais mais-valor disponível para reinvestimento, e induz uma maior acumulação do capital

Resumo da história: os aumentos/diminuições de salários aparecem somente conquanto não atrapalhem a acumulação do capital.

”Expressando matematicamente: a magnitude da acumulação é a variável independente, o montante dos salários, a variável dependente, não sendo verdadeira a afirmação oposta.”

I.e.

Segundo caso: composição aumentando ao longo do tempo

Porém, a composição se manter constante é algo irrealista; é plausível, por exemplo, em períodos de prosperidade, mas a concorrência entre capitalistas induz constantemente um aumento da produtividade e, portanto, um aumento da composição do capital.

Induz, em particular, o aumento da produtividade do trabalho com o intuito de baratear os preços individuais de suas mercadorias, obtendo, através da diferença entre preço individual e preço de mercado, um mais-valor extraordinário.

Note-se que, para que a composição orgânica aumente com o tempo, podemos ter os seguintes casos:

  • aumento de com constante: maior quantidade de meios de produção, induzindo a mais produtos produzidos
  • diminuição de com constante: menos força de trabalho necessária para operar com a mesma quantidade de meios de produção prévia
  • aumento de com diminuição de : menos força de trabalho é capaz de operar uma quantidade maior de meios de produção que previamente
  • aumento de em maior proporção que aumento de (mais comum): mais meios de produção disponíveis, com aumento em menor proporção de força de trabalho (ou seja, a força de trabalho acaba sendo mais capaz de operar tais meios de produção que previamente)

Note-se, portanto, que tais processos de acumulação do capital induzem mudanças na produtividade do trabalho:

  • Há um aumento da mais-valia pela via extra e Mais-valor Relativo (intensificação do trabalho)
  • Torna supérflua uma parte da força de trabalho conforme menos trabalhadores são tão capazes (ou mais) quanto uma quantidade prévia; isso induz ao surgimento do exército industrial de reserva (também chamado de superpopulação relativa, “relativa” às necessidades do capital)

Logo, nesses casos em que há aumento da acumulação capitalista, temos que os salários são regulados pelo exército industrial de reserva!

  • Conforme haja muito desemprego (ou seja, muita demanda por emprego), os salários (ou seja, a oferta de emprego) são abaixados
  • Caso haja pouco desemprego (ou seja, pouca demanda por emprego), os salários tendem a aumentar

É por meio deste mecanismo que permite que os salários se desprendam do valor da força de trabalho e permanecendo, em geral, menor que tal valor (pela constância do desemprego em alta!).

Conclusão preliminar sobre efeito nos salários

  • Caso a composição orgânica do capital se mantenha constante: é o ritmo da acumulação que dita a variação dos salários
  • Caso a composição orgânica seja crescente: é o exército industrial de reserva (i.e. a formação de força de trabalho supérflua) que dita a variação dos salários
    • A existência desse exército de reserva permite que o salário pago seja menor que o valor da força de trabalho (manifesto em dinheiro)

O conceito de Exército Industrial de Reserva (Sobrepopulação Relativa)

Lei malthusiana da população (“Um Ensaio sobre o Princípio da População”, 1798)

Postulados básicos da análise de Malthus:

  1. O alimento é necessário para a existência do homem
  2. A paixão entre os sexos é necessária e permanecerá aproximadamente em seu seu estado atual

Conclusão:

“A população, quando não controlada, cresce a uma taxa geométrica. A subsistência só cresce a uma taxa aritmética.”

Portanto, vê a origem do problema da pobreza justamente no crescimento populacional, propondo controle de natalidade (em particular de pessoas pobres) para mitigar tais mazelas. Propôs:

  • negar às populações toda e qualquer assistência (hospitais, asilos, etc) (adiciono: esmolas, fazendo ambientes proibitivos para moradores de rua, etc)
  • estimular abstinência sexual para diminuir a natalidade

Lei populacional de Marx

Marx critica a teoria malthusiana por focar-se no crescimento absoluto como sendo originário da pobreza, invés de ser o crescimento relativo (relativo em relação às necessidades do capital).

Conforme surge essa massa tornada supérflua, como eles não têm nada mais a vender senão sua força de trabalho, surgem

  • moradores de rua
  • trabalho precarizado (aceitar qualquer coisa como trabalho)
  • etc

Portanto, conforme há um aumento da acumulação do capital, cria-se inexoravelmente essas massas de trabalhadores que não conseguem ser reabsorvidos (ao menos em volume absoluto) no processo produtivo.

Superpopulação Relativa/Exército Industrial de Reserva

É um reservatório de força de trabalho disponível que é liberada conforme a necessidade do capital, tanto

  • desocupada, desempregada
  • empregada de forma precária

Note-se que tal contingente é uma consequência da acumulação do capital, mas acaba se tornando uma alavanca da acumulação, até mesmo se tornando “a condição de existência do modo de produção capitalista”.

Tendências de Concentração e Centralização de Capitais

  • Concentração de capitais: crescimento do capital individual, com base no mais-valor gerado por eles próprios, i.e. com base na acumulação de capital (ao longo de seus ciclos de produção)
  • Centralização de capitais: crescimento do capital por meio da concorrência e do crédito (fusão/aquisição de capitais)
  • Crises: podem ter diversas origens (produtiva ou financeira), resulta na falência de capitais individuais menos eficientes, que são absorvidos por outros capitais (no “topo do jogo”) via fusão/aquisição
    • Com essas fusões/aquisições, ocorrem saltos de produtividade (pelo aumento da composição do capital), o que acaba resultando no desemprego da força de trabalho, i.e. no aumento do exército industrial de reserva

Formas/camadas do Exército de Reserva

1. Forma Flutuante (On demand)

Caracteriza-se pelos trabalhadores que “são ora repelidos ora atraídos em quantidade maior”. Ou seja, caracteriza-se por trabalhadores qualificados desempregados por curtos períodos de tempo: são trabalhadores capazes, e que são demandados somente temporariamente.

2. Forma Latente (Reservatórios)

Trabalhadores potencialmente empregáveis na produção capitalista:

  • Trabalhadores imigrantes
  • Mulheres/homens normalmente “improdutivos” (e.g. donas de casa)
    • Estudantes

3. Forma Estagnada (Precarizados)

Trabalhadores com ocupação completamente irregular (informal/precária). “Proporciona, assim, ao capital, um reservatório inesgotável de força de trabalho.”

Em particular, muito pertinente ao cenário atual de uberização do trabalho.

4. Pauperização

Parcela da população trabalhadora em situação de extrema pobreza:

  • Ainda aptos: trabalhadores que podem ser empregados “naturalmente”, if need be
  • Órfãos e crianças indigentes (à época)
  • Degradados, maltrapilhos, incapacitados: vítimas de acidentes de trabalho, idade avançada e sem assistência/previdência social; caso a necessidade seja grande, poderão ser “convocados a servir”

Referências

  • O Capital, Livro I, Karl Marx.