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O que é fascismo
O fascismo pode ser visto como ideologia, movimento e regime.
- O fascismo visto como ideologia busca um projeto político de regeneração de alguma comunidade imaginária idealizada, sendo contra “obstáculos” (vistos como Outro, “estrangeiros”) que esfacelam esta identidade
- Como movimento, o fascismo se coloca como uma figura oposta ao “sistema”, mas num sentido de retornar à “normalidade” do passado, é uma tentativa de restauração da “lei e ordem”
- Como regime, o fascismo busca a perpetuação da ordem social a todo custo, fazendo-o mesmo a despeito da posição de seus mais fervorosos seguidores
Pressupostos do surgimento social do fascismo
- Crise estrutural do capitalismo e consequências decorrentes: instabilidade econômica, frustrações e revoltas populares, aprofundamento de conflitos de classe
- Insuperabilidade da crise dentro das formas políticas vigentes
- Crise de alternativa: Ausência de uma alternativa (verdadeiramente) revolucionária/emancipatória à crise / “derrota de forças contrahegemônicas”
1. Crise estrutural
Pressupõe-se não só uma crise estrutural do capitalismo (e todas as consequências disso: frustrações populares, sentimentos de revolta ao sistema, etc), mas também uma insuperabilidade da crise nas formas políticas vigentes ─ ou seja, quando as classes dominantes vigentes não conseguem manter a estabilidade da ordem social e política “através dos meios ordinários associados à democracia liberal e pela simples renovação de seu pessoal político”: ou seja, as formas de “soft power” da hegemonia vigente não são suficientes para a manutenção da ordem, surgindo a necessidade da violência estatal para tal. Em essência, faz-se necessário uma crise de hegemonia (Gramsci) para o surgimento do fascismo.
Nos tempos modernos, o neofascismo pressupõe o “enfraquecimento dos laços entre representantes e representados”, o que se traduz no declínio (e descrença) em “organizações de massa tradicionais” e na atomização dos indivíduos ─ uma receita pronta para o divide and conquer do fenômeno da fascistização da sociedade. Note-se que tal conjuntura, atualmente, é uma consequência direta do neoliberalismo atualmente vigente.
2. Insuperabilidade da crise por dentro do sistema político vigente
No caso dos tempos atuais, a própria conjuntura neoliberal facilitou o desmantelamento dos movimentos operários organizados em geral, assim como o descolamento do “contrato social” entre a classe dominante e as classes dominadas ─ ou seja, perde-se paulatinamente o vínculo/“moeda de troca” de confiança com relação aos dominados. É realmente uma crise de hegemonia, pois é um conjunto de falta de confiança, falta de “poder” tanto soft quanto até mesmo hard.
A ofensiva neoliberal desmantela as condições de organização e mobilização dos trabalhadores, o que recanaliza as frustrações oriundas das opressões em outras formas:
- abstenções eleitorais maiores (a menos de eleições polarizadas)
- declínio de partidos institucionais dominantes ─ e/ou surgimento de novos movimentos polarizantes em seus bojos
- surgimento de novas forças políticas oriundas de locais outrora marginais
- eclosão de movimentos sociais “fora dos quadros tradicionais” (i.e. fora dos movimentos operários tradicionais)
É dentro desse contexto que ideias (neo)fascistas surgem e alastram-se, a menor ou maior grau, em vários movimentos já existentes, e até eventualmente firmando-se em movimentos de força própria.
3. Crise de alternativa (revolucionária)
“…é antes a incapacidade da classe explorada (proletariado) e dos grupos oprimidos de se constituírem como sujeitos políticos revolucionários, e de iniciarem uma experiência de transformação social (mesmo limitada), que permite à extrema direita aparecer como uma alternativa política e conquistar a adesão de grupos sociais muito diversos.”
Os dois momentos da dinâmica fascista
- Aparência subversiva à ordem dominante
- Aliança com as classes dominantes
1. A aparência subversiva do fascismo
“A falência da direita e as traições da esquerda dão crédito ao ideal fascista de uma dissolução das clivagens políticas e antagonismos sociais em uma ‘Nação’ enfim ‘regenerada’, porque é
- politicamente unificada (na realidade colocada sob o controle de fascistas),
- ideologicamente unânime (ou seja, privada de qualquer meio de expressar publicamente qualquer forma de protesto) e
- étnico-racialmente ‘purificada’1 (em outras palavras, libertadas de grupos considerados intrinsecamente ‘estranhos’ e ‘inassimiláveis’, ‘inferiores’ e ‘perigosos’).”
Neste primeiro momento, o movimento fascista coloca-se como um rival contra a ordem existente, colocando-se contra todos os representantes políticos tradicionais, tanto da direita quanto da esquerda, colocando-se como um grande mediador da unificação da Nação/povo/unidade social (“concebida de maneira fantasmagórica como uma essência mais ou menos imutável”).
2. A aliança fascista com a classe dominante
Os fascistas buscam uma consolidação de seu poder através de alianças com os representantes (políticos) da burguesia ─ partido/dirigentes políticos ─, a fim de terem o acesso ao Estado.
Não é preciso procurar tão longe quanto a derradeira aliança de Bolsonaro com o “Centrão” ─ estratégia “petista” criticada há years past.
Táticas da retórica fascista
- Crítica superficial/esterilizada de problemas concretos: criticam-se problemas somente em sua superfície, evitando desenterrar seus fundamentos essenciais (exploração do trabalho, propriedade privada dos meios de produção, etc)
- Desvio da retórica de esquerda como arma contra os “estrangeiros”/minorias raciais
- Discurso de oprimidos se tornando opressores: em particular é uma retórica que busca o retorno ao “ideal” das relações “tradicionais”… de dominância ─ “é a melhor forma de apelar, sem o dizer explicitamente, a uma operação supremacista de ‘reconquista‘“
Pressupostos de um regime fascista
- Renúncias ─pela própria classe dominante─ de “dimensões fundamentais da democracia liberal”
- Prevalência do Poder Executivo sobre o Legislativo (decretos-leis, portarias, repressão policial, etc)
- Limitação crescente de liberdade/espaços de oposição ao regime
Sobre as formas de repressão fascista à oposição
“O fascismo procede especificamente pelo esmagamento de toda forma de contestação, seja revolucionária ou reformista, radical ou moderada, global ou parcial.
Em todo lugar em que o fascismo se torna prática de poder, ou seja, regime político, depois de alguns anos e às vezes de alguns meses, não resta nada ou quase nada (…) de toda forma estável, duradoura e cristalizada de resistência.
(…) O fascismo se apresenta como a forma política que promove a destruição quase completa da capacidade de autodefesa dos subalternos ─ ou sua redução a formas de resistência moleculares, passivas ou clandestinas.”
Porém, não pode fazê-lo exclusivamente através do hard power; o faz também pela satisfação de interesses materiais reais ─ de certos grupos, em particular os considerados pelo regime como “verdadeiros patriotas”.
No caso do Brasil, aparece tanto na liberalização do acesso individual a armas quanto nas leis que auxiliam o agronegócio no Brasil.
Fascismo como uma contrarrevolução póstuma e preventiva
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O fascismo pode ser visto como uma contrarrevolução póstuma e preventiva:
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- póstuma, posto que nasce e se nutre do fracasso da esquerda em colocar-se como uma solução revolucionária à crise política
- preventiva, posto que é um regime que busca destruir todos os elementos que tenham potencial revolucionário
Fascistização
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“Se geralmente [os fascistas] conseguem obter o poder pela via legal, o que não quer dizer sem um derramamento de sangue, é porque essa conquista é preparada por todo um período histórico que pode ser designado pela expressão fascistização.”
A fascistização é um “período histórico de preparação” do terreno político para o florescimento do fascismo.
Dentre vários vetores que caracterizam tal período, dois destacam-se: o endurecimento autoritário do Estado, e a ascensão do racismo.
O endurecimento autoritário do Estado
O recrudescimento da violência estatal ─ manifesto pelo uso das forças policiais ─ é somente a superfície pela qual manifesta-se um fator fundamental à ascensão do fascismo: O fascismo é consequência da crise de hegemonia das classes dominantes. Ou seja, quando as classes dominantes não conseguem manter sua hegemonia através de soft power, tendo de recorrer cada vez mais à repressão policial.
A ascensão do racismo
É essencialmente uma manifestação do projeto político fascista de unificação da “Nação”.
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Referências
- Ugo Palheta: Fascismo e democracia liberal. Disponível em: https://esquerdaonline.com.br/2021/01/05/ugo-palheta-fascismo-democracia-liberal/
Footnotes
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O que parece um exagero no caso brasileiro, exceto quando lembra-se da questão indígena/quilombolas. ↩