202211141234 Sobre COP27 e o comprometimento corporativo com o clima

O que esperar de uma convenção do clima que possui mais representantes de lobbies petroleiros do que representantes da América Latina (sem contar Brasil)? Que esperar quando a (segunda) maior potência mundial reserva tão somente US$ 100 milhões para o Fundo de Adaptação, quando seus gastos com Exército são de centenas de bilhões de dólares anualmente? Ora, qual é a próxima, a raposa vai voluntariamente abrir a portinhola para as galinhas irem dormir em paz no galinheiro? Mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha.

É bem propício que essa COP seja sediada sobre o solo da Primavera que foi sepultada por um golpe de Estado de Abdel Fattah al-Sisi, ao lado de dezenas de milhares de presos políticos. Nada mais agradável aos capitalistas do que os ventos quentes da censura, de não ter que ouvir as vozes daqueles que temem perder suas vozes, para lançarem-se ao que mais sabem fazer: tratar o mundo como um grande negócio com objetivos numéricos.

A obstinação que “1,5ºC” ganhou mediante essa conferência é algo bem próprio do meio corporativo: encontrar algum número, alguma ideia to wrap their head around, em torno do qual brincar e discutir ─ essencialmente o que Lukács dizia quanto a integrar essa ideia em “sistemas racionais” e reconduzi-la ao “conceito calculador”1. Não quer mais dizer “um grau Celsius e meio”, nem mesmo é algo concreto mais: é uma meta. Para o capitalista (“compromissado”), precisa-se “alcançar 1.5ºC” tanto quanto uma empresa precisa alcançar, por exemplo, um prêmio de R$ 500 milhões em um ano. Só que, ao contrário do lucro ao fim do ano, as metas climáticas não são vistas como necessárias; elas são vistas como suficientes. Não é preciso acabar com o racismo ambiental, não é preciso pagar as dívidas históricas com o Sul global, não é preciso acabar com o imperialismo ecológico; é preciso tão somente chegar no mágico 1,5ºC, e todos os engravatados de plantão apertarão as mãos e darão batidinhas nas costas uns dos outros. Haverão até os que ousem colocar uma “meta mais ousada” (como se “mais fosse melhor” aqui também) de 1.6ºC. Afinal, “cada décimo conta”, como estão comiserando entre si lá na COP27.

Para falar da presença de corporações na questão climática, é preciso falar de ESG2. Esse conceito é, para todos os fins, uma brincadeira de “o chão é lava”: podes ganhar dinheiro lá e acolá, mas não irás ganhar dinheiro aqui em particular ─ não farás negócios em terras indígenas, não farás negócios em áreas (vegetais) de proteção permanente, etc. Ora, o objetivo de uma empresa é duplo: maximizar o lucro enquanto minimiza os custos. O modo como ESG entra nisso é meramente como um custo, um mero obstáculo3 a se ter em mente no decorrer dos negócios ─ isso quando uma empresa se compromete efetivamente a essa causa, invés de mentir e fingir cumpri-la.

Tendo isso em vista: pedir que capitalistas cumpram promessas de ressarcir dívidas históricas com o Sul Global e de reduzir emissões de carbono é quase como demandar que um peixe suba uma árvore. Eles não sabem fazê-lo senão do jeito que eles vêm o mundo ─ e sequer querem pensar a fazer de outra forma. De nada adianta produzir em massa mercadorias com embalagens biodegradáveis se ainda produz-se em massa para começo de conversa. Quanto mais inofensivo for o discurso anticapitalista, quanto menos eles tiverem a perder, tanto mais eles protelarão com suas dívidas histórico-atuais. Discursos não nos bastam mais (nunca nos bastaram); somente a ação efetiva nos trará os espólios que merecemos.


Referências

  • https://www.printfriendly.com/p/g/UL6mjT
  • György Lukács. “A reificação e a consciência do proletariado”. In: História e Consciência de Classe. Martins Fontes, 2003.
  • Joel Kovel. “The enemy of nature”.

Footnotes

  1. Lukács, p. 202.

  2. Sigla de “Environmental, Social, Governance”, é um compromisso que empresas fazem quanto a questões ambientais, sociais e de governança (ou transparência de processos).

  3. ”Capital colonizes the very sites of inhibition [to itself], or creates new commodity circuits to go around them” (Joel Kovel, The enemy of nature).