Harriet Friedmann e Philip McMichael propõem, em 1989, o termo food regime (regimes alimentares) para determinados panoramas de produção alimentar:

Primeiro regime alimentar (extensivo)

Em meados da década de 1870, no Império Britânico, há uma produção extensiva de alimentos (em latifúndios monocultores): para produzir mais, é necessário mais terras cultiváveis para plantio. Implícito a isso era o emprego de mão-de-obra escrava para os cultivos; há um paralelo com o conceito marxista de Mais-valor Absoluto, em que produzir mais requer mais mãos (ou melhor, mais terras e, portanto, mais mãos). Segundo Friedmann e McMichael, tal regime alimentar prevaleceu até o início da Primeira Guerra Mundial (1914).

Tal produção agrícola é a mesma d’A ‘grande unidade produtora’ do Brasil colônia, a qual é pautada pelo latifúndio monocultor com mãos escravas. Interessante notar o comentário de Caio Prado Junior que explica o uso arraigado de mão-de-obra escrava, devido ao cultivo da monocultura ser mais simples e, portanto, comportar o uso de mão-de-obra menos especializada.

Segundo regime alimentar (intensivo)

Após a Segunda Guerra Mundial (1945), surge um novo regime alimentar impulsionado pela nova potência mundial: os Estados Unidos. Com novas revoluções tecnológicas (mecanização de processos, sementes híbridas, fertilizantes, pesticidas, etc), surgiu a possibilidade de maior produção em uma mesma quantidade de terras; portanto, há uma intensificação da produção; possui um paralelo com o conceito marxista de Mais-valor Relativo, em que não mais se precisa de mais mãos para uma maior produção (há uma intensificação do trabalho, possibilitado por inovações técnicas e tecnológicas)

O terceiro regime alimentar (Otero)

“Capital colonizes the very sites of inhibition [to itself], or creates new commodity circuits to go around them.” (KOVEL, Joel. The enemy of nature.)

Num contexto pós-Guerra Fria (1989) ─ em particular, após a Rodada de Negociações Multilaterais do Uruguai (1986-1994) ─, surge, segundo Gerardo Otero, um novo regime alimentar, pautado pela dependência de insumos agrícolas de grandes corporações ─ sementes transgênicas, fertilizantes, pesticidas, etc.

Torna-se um novo regime alimentar, posto que é imposto não só pela completa dependência das empresas de sementes 1 por parte dos produtores rurais ─ posto que elas produzem sementes inférteis após a safra ─, mas pelo que Otero chama de neorregulamentação: ao contrário de haver um “recuo dos Estados nacionais do palco geopolítico alimentar”, os Estados nacionais empregam seu papel político

”para agir invariavelmente em favor das margens de lucro do mercado financeiro, fragilizando, cada vez mais, a ação do poder público sobre o setor de alimentos”

Ou seja, agem a serviço do capital, ou, como Pompeia o coloca com relação à ação do governo americano nos primórdios de sua aliança com o agribusiness,

“Não se tratava, pois, de diminuir a participação estatal na economia, mas de garantir uma seletividade sobre ela de acordo com os interesses corporativos.” (Pompeia, p. 61, grifo meu)


Referências

Footnotes

  1. As quais tendem a tornar-se grandes conglomerados unificados, e/ou parte adquirida pelo setor financeiro.