up:: 011a MOC Capital I
A Lei Fraca dos Grandes Números garante a existência de uma “Força de Trabalho média”, ou melhor, do valor (socialmente necessário, médio) da força de trabalho, devido a esta média só existir “como média de diferentes grandezas individuais da mesma espécie” (MARX, p. 397). Naturalmente, tal fenômeno se torna “tangível” conforme (quantidade de trabalhadores envolvidos) aumenta1.
O emprego simultâneo de vários trabalhadores permite algumas reduções de custos/Meios de Produção (e.g. aluguel do local de trabalho).
“Meios de produção consumidos em comum transferem uma parte menor de seu valor ao produto individual, em parte porque o valor total que transferem é simultaneamente repartido por uma massa maior de produtos, e em parte porque, em comparação com meios de produção isolados, entram no processo de produção com um valor certamente maior em termos absolutos2, porém relativamente menor quando se considera seu raio de ação3.” (MARX, p. 399-400)
Ou seja, mesmo quando os trabalhadores não colaboram explicitamente durante seus processos de trabalho, ainda há tal “ganho”, como p. ex. um galpão em que se trabalham unidades independentes de produção, sendo de utilidade para o Processo de Produção Capitalista. Note-se que, aqui, começa a ruptura com os processos “naturais-espontâneos” do trabalho artesanal4, posto que começa-se o processo em que o Capital dita o local de produção dos trabalhadores sob seu domínio.
Definição de Cooperação
“A forma de trabalho em que muitos indivíduos trabalham de modo planejado, uns ao lado dos outros e em conjunto, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes porém conexos, chama-se cooperação.” (MARX, p. 400; grifo meu)
O processo de cooperação permite:
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potencializar o trabalho individual, permitindo que ele seja cumprido em menos tempo, p. ex. uma fila de pedreiros repassando materiais uns aos outros (cf. MARX, p. 402)
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paralelização dos trabalhos individuais, independentes na produção porém conectados no processo total, a fim de que o tempo total de produção se reduza
“As partes dos produtos separadas no espaço amadurecem ao mesmo tempo” (MARX, p. 402)
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um aumento na produtividade dos trabalhadores individuais meramente pelo contato social, gerando “emulação e excitação particular dos espíritos vitais (animal spirits)” (MARX, p. 401)5
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geração de uma força de trabalho coletiva (ou social), que é “maior do que a soma das partes” (qualitativamente falando)
“As one man cannot, and 10 men must strain, to lift a ton of weight, yet one hundred men can do it only with the strength of a finger of each of them.” (BELLERS apud MARX, p. 401)
As condições históricas para a cooperação, sob o capitalismo
“A concentração de grandes quantidades de meios de produção nas mãos de capitalistas individuais é, pois, a condição material para a cooperação de trabalhadores assalariados, e a extensão da cooperação, ou a escala da produção, depende do grau dessa concentração.” (MARX, p. 405; grifo meu)
A propriedade privada dos meios de produção é condição necessária da cooperação do Trabalho Assalariado, cujos trabalhadores são postos para trabalhar conjuntamente por um propósito que não lhes pertence. Certamente é nesse contexto que os Enclosures entram, pois não só ocorrem como concentração dos Meios de Produção, como simultaneamente geram trabalhadores “livres”6 para força de trabalho.
“Do mesmo modo, o comando do capitalista sobre o trabalho parecia inicialmente ser apenas uma decorrência formal do fato de o trabalhador trabalhar não para si, mas para o capitalista e, portanto, sob o capitalista. Com a cooperação de muitos trabalhadores assalariados, o comando do capital se converte num requisito para a consecução do próprio processo de trabalho, numa verdadeira condição da produção. O comando do capitalista no campo de produção torna-se agora tão imprescindível quanto o comando do general no campo de batalha.” (MARX, p. 406)
Justamente por agregar uma quantidade maior (mais “unyieldy”) de força de trabalho, que possui livre-arbítrio (muito ao desgosto do capitalista) e sente que seu trabalho não lhe diz respeito7, faz-se necessário o comando, via soft/hard power.
O objetivo da cooperação de vários trabalhadores (sob o regime capitalista) é a obtenção de Mais-Valor. Portanto, o objetivo do capitalista é de assegurar que a cooperação aja de forma que “lhe é de direito de compra”, cabendo-lhe a condução (a rédea curta) do processo, tanto da obediência quanto da eficiência do uso de meios de produção. Nesse ínterim, portanto, “a própria cooperação aparece como forma específica do processo de produção capitalista” (MARX, p. 410).
Surgimento da alienação do trabalho sob o regime capitalista
“A cooperação dos assalariados é, além disso, um mero efeito do capital que os emprega simultaneamente” (por mais que se pregue que “são uma família”). “A interconexão de suas funções e sua unidade como corpo produtivo total reside fora deles, no capital, que os reúne e os mantém unidos. Por isso, a conexão entre seus trabalhos aparece para os trabalhadores, idealmente como plano preconcebido e, praticamente, como autoridade do capitalista, como o poder de uma vontade alheia que submete seu agir ao seu próprio objetivo.” (MARX, p. 407; grifo meu)
Eventualmente, o próprio capitalista emancipa-se do trabalho de supervisão (que outrora lhe era fardo), delegando-o a outros assalariados, que também submetem-se à cooperação in their own right, fractalmente, conforme a organização/empresa/fábrica cresce e requer mais e mais supervisão.
“O capitalista não é capitalista por ser diretor da indústria; ao contrário, ele se torna diretor da indústria por ser capitalista. O comando supremo na indústria torna-se atributo do capital do mesmo modo como, no feudalismo, o comando supremo na guerra e no tribunal era atributo da propriedade fundiária.” (MARX, p. 408)
Ou seja, A dominação precede a ideia, e a ideia ilustra a dominação: justamente devido ao domínio dos meios de produção, a classe capitalista (que é a classe dominante) exerce seu domínio também idealmente.
A força produtiva conjunta é grátis, como uma reação química
“Como pessoas individuais, os trabalhadores são indivíduos isolados, que entram numa relação com o mesmo capital, mas não entre si. Sua cooperação começa somente no processo de trabalho, mas então eles já não pertencem mais a si mesmos. Com a entrada no processo de trabalho, são incorporados ao capital. Como cooperadores, membros de um organismo laborativo, eles próprios não são mais do que um modo de existência específico do capital. A força produtiva que o trabalhador desenvolve como trabalhador social é, assim, força produtiva do capital. A força produtiva social do trabalho se desenvolve gratuitamente sempre que os trabalhadores se encontrem sob determinadas condições, e é o capital que os coloca sob essas condições. Pelo fato de a força produtiva social do trabalho não custar nada ao capital e, por outro lado, não ser desenvolvida pelo trabalhador antes que seu próprio trabalho pertença ao capital, ela aparece como força produtiva que o capital possui por natureza, como sua força produtiva imanente.” (MARX, p. 408)
Isso parece absurdo, pois pode-se dizer que há custos “de supervisão” etc. Uma analogia que penso é com compostos químicos: eu posso comprá-los, posso até pagar pessoas para que monitorem as reações químicas ao misturá-los, mas não estou pagando pela reação dos compostos entre si; a reação deles depende da afinidade intrínseca dos compostos.
Similarmente, pode-se comprar força de trabalho e os meios de trabalho necessários à cooperação, mas não pode-se comprar diretamente a cooperação em si, somente indiretamente, e deixá-la correr seu curso. O emprego de gerentes e supervisores é análogo ao emprego de catalisadores químicos (ou emprego de calor): ele pode agilizar a reação química, mas ainda depende da afinidade intrínseca dos elementos. Caso empreguem-se recursos demasiados, então não é mais cooperação: é tirania8!
Referências
- MARX, Karl. O Capital. Livro 1: O processo de produção do capital. Boitempo Editorial, 2013.
- Leituras d’O Capital (UFPR) - Livro I
Footnotes
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O enunciado da lei dos grandes números é garantido, formalmente, conforme . Na prática, não é preciso tanto (por supuesto!). ↩
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Pois se empregarão mais meios de produção para abarcar a massa de trabalhadores em ação (?). ↩
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Devido a que os meios de produção não se restringirão a afetar somente um produto, mas vários simultaneamente (?). ↩
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Aqui há, por exemplo, uma “accountability” maior dos trabalhadores parciais entre si: caso uma parte do trabalho atrase sua produção, será bem mais visível que é ela a responsável pelo atraso dos setores “subsequentes” (que utilizam seu trabalho como Matéria-Prima) dentro do processo total, em comparação com a separação espacial pré-regimes de cooperação desses setores (de produção) independentes. ↩
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“Para transformar dinheiro em capital, o possuidor de dinheiro tem, portanto, de encontrar no mercado de mercadorias o trabalhador livre, e livre em dois sentidos: de ser uma pessoa livre, que dispõe de sua força de trabalho como sua mercadoria, e de, por outro lado, ser alguém que não tem outra mercadoria para vender, estando livre e solto e carecendo absolutamente de todas as coisas necessárias à realização de sua força de trabalho.” (MARX, p. 244) ↩
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Ou seja: não é mais dominação sutil, e sim dominação explícita. ↩