“The main issue is the acceptability of the assumption of the invariable pursuit of self-interest in each act. Calling that type of behavior rational, or departures from it irrational, does not change the relevance of these criticisms, though it does produce an arbitrarily narrow definition of rationality. This paper has not been concerned with the question as to whether human behavior is better described as rational or irrational. The main thesis has been the need to accommodate commitment as a part of behavior” (SEN, p. 343-4; grifo meu)
Problemática do artigo: Egoísmo e racionalidade
Este artigo de Sen propõe-se a questionar e criticar a hipótese econômica de que agentes econômicos atuam exclusivamente por auto-interesse/“egoísmo” [self-interest/“egoism”].
Parte-se do livro de Edgeworth, Mathematical Psychics1, de 1881, em que já há a menção de que “the first principle of Economics is that every agent is actuated only by self-interest”2, por mais que reconhecesse que o homem de sua época não tendesse a ser um “egoísta puro”.
Mostra-se que uma “justificativa” que foi dada para essa hipótese — ação econômica ser movida por auto-interesses — é de que ela quebrava com a “ilusão” da época de que “o interesse de todos fosse o interesse de cada um”3. Porém, é claro, o oposto de “interesse geral” não é (necessariamente) “interesse individual”.
Há de haver outro motivo para a adoção de uma hipótese tão drástica, o qual Sen aponta como sendo a descoberta de Edgeworth sobre a “incrível correspondência”, em seu modelo baseado em comportamentos egoístas4 (no sentido de “auto-interesse”), entre equilíbrios em Mercados Competitivos e o “núcleo” da economia, que ocorre quando não pode-se obter resultados melhores individualmente/em grupo5.
Ou seja, um indivíduo pode, no máximo, não perder nada ao pertencer a estes mercados perfeitamente competitivos6 — que é um Fenômeno Emergente advindo das ações “egoístas” dos agentes. Portanto, é possível que alguém que possua Renda baixa não melhore sua própria condição, em cujo caso faria-se necessário uma intervenção (“arbitration”) a fim de permitir uma maior utilidade social.
Escolha = preferência?
O Axioma Fraco das Preferências Reveladas é algo comumente assumido pela economia ortodoxa:
“Se é observado que você escolheu , rejeitando , [então] você declarou ter ‘revelado’ uma preferência de sobre ” (Ibid., p. 322; grifo meu)
Pode-se escrevê-lo “matematicamente” da seguinte forma: Dada uma relação de preferência (bem-comportada) sobre algum conjunto de possíveis “ações”/produtos etc, diz-se que ele é racional se
Ou seja, caso o indivíduo escolha dentre todas as possibilidades (ao seu alcance, em algum conjunto ), então conclui-se que este é o mais preferível que ele poderia ter escolhido (via comparações através de ), e vice-versa: se é sua alternativa mais preferível, então conclui-se que será a que ele escolherá.
Sen faz uma importante observação semântica: o emprego da palavra preferência possui tanto uma conotação de “ser algo melhor para si” — o que traria maior usufruto etc. —, quanto uma conotação de “escolha” — aquilo que é, dentre todas as alternativas, efetivamente feito7. Ou seja, há uma certa conotação implícita feita quando se emprega o termo “preferência”: a de que a alternativa preferida é/tem de ser idêntica à escolha/ação; de que o preferencial é igual ao efetivo.
Assumir essa identidade ofusca a discussão sobre casos em que alternativas que não são as “mais preferíveis” são, de fato, aquelas que foram perpetradas. De fato, de duas, uma: ou assume-se que o indivíduo que o faz é “inconsistente” (ele “errou, mas não o sabe”), ou que suas preferências, em verdade, mudaram. Em outras palavras, agir de maneira consistente (no tocante às preferências reveladas) assemelha-se à maximização da própria utilidade.
Ou seja, há uma espécie de inversão8: indivíduos que sejam consistentes quanto a preferências reveladas aparecem como indivíduos maximizadores de utilidade; porém, a interpretação disso torna-se de que, em verdade, todos os indivíduos são maximizadores de utilidade, e de que isso confere-lhes a qualidade de racionalidade, donde aqueles que não a cumpram ou são considerados irracionais (ou seja: exceção à regra) ou estão demonstrando mudanças de suas preferências internas (ou seja: ainda conformam-se à regra).
Críticas à racionalidade ortodoxa
Sabe-se pela vida real, porém, que essa suposta “exceção” é, na verdade, mais próxima da regra: nem todas as ações individuais são as melhores que os indivíduos poderiam escolher, inclusive havendo uma certa consistência de tais escolhas “não-ótimas” para uma quantidade não-desprezível da população9.
Inclusive, há dificuldades metodológicas de se provar ou falsear a consistência de preferências: não há reproducibilidade nem formas inequívocas de discernir mudanças de preferências com escolhas inconsistentes, além de saber se escolhas individuais ou em sequência são as “unidades de medida” de tais preferências.
Contudo, o foco da crítica de Sen é outro: de que a noção de preferências consistentes diz respeito ao que um indivíduo possui controle direto sobre: sua própria escolha de Cesta de Bens10.
Simpatia e compromisso
Para elaborar sua crítica à onipotência do auto-interesse nas decisões econômicas, Sen considera duas categorias: simpatia [sympathy] e compromisso [commitment].
“Simpatia” é um caso em que “a preocupação pelos outros afeta diretamente o próprio bem-estar [de um indivíduo]”11, seja na mesma direção (bem-estar alheio meu bem-estar) ou oposto (“mal-estar” alheio meu bem-estar).
“Compromisso” se trata sobre agir sem (necessariamente) escolher a própria escolha “mais preferida”, e sim uma que “ele acredite que trará um nível de bem-estar pessoal menor para si mesmo do que uma alternativa também disponível”. Isso pressupõe que a escolha se baseia não (exclusivamente) na satisfação dos próprios interesses, mas (também) de algo além, seja de “senso de dever” ou “princípios morais”12. É este conceito que permite a quebra conceitual entre “alternativa preferida” e “alternativa escolhida”.
A adição de incerteza à discussão não altera a noção de simpatia13, mas altera levemente a noção de compromisso: a escolha sob compromisso envolve escolher uma ação que dê um “nível esperado de bem-estar pessoal menor do que alguma ação alternativa disponível”14.
A importância econômica do compromisso [commitment]
Sen admite que, no tocante à escolha de consumo de bens privados15 — que é a hipótese que a economia neoclássica faz, mesmo que implicitamente —, a noção de compromisso tem uso bem restrito16. Seu uso se torna crucial, destaca, no tocante ao consumo de Bens Públicos.
Um exemplo bem pertinente é a questão de revelação de preferências quanto a bens públicos, p. ex. para que o governo possa aferir quanto gastar com projetos públicos similares, consertos etc., nos quais é/pode ser do interesse pessoal de se responder erroneamente de propósito 17.
Outro exemplo interessante é a questão de “motivação laboral”, onde meros incentivos financeiros não são suficientes para induzir maior produtividade dos funcionários.
“It is certainly costly and may be impossible to devise a system of supervision with rewards and punishment such that everyone has the incentive to exert himself. Every economic system has, therefore, tended to rely on the existence of attitudes toward work which supersedes the calculation of net gain from each unit of exertion. Social conditioning plays an extremely important part here.” (Ibid., p. 334)
Não só os incentivos financeiros, mas também uma boa dose de diplomacia, negociação, resolução de conflitos, etc. são fatores cruciais para que gerentes consigam garantir um ambiente de trabalho eficiente.
Preferências éticas e preferências subjetivas
Sen menciona um modelo de John Harsányi, no qual consideram-se preferências “éticas” e preferências “subjetivas” de um indivíduo: as primeiras expressa “o que o indivíduo prefere (ou preferiria) no tocante somente a considerações sociais”, e as últimas expressam “o que ele de fato prefere, seja com base em seus interesses pessoais, ou qualquer outro motivo”18.
Essa separação também permite a existência de escolhas além do “auto-interesse”, mas ainda há problemas, em particular caso um indivíduo aja em prol não de si próprio, nem do todo, mas sim de algum grupo — ou seja, caso esteja agindo em prol de algo “no meio-termo”.
“I have also argued against viewing behavior in terms of the traditional dichotomy between egoism and universalized moral systems (such as utilitarianism). Groups intermediate between oneself and all, such as class and community, provide the focus of many actions involving commitment. The rejection of egoism as description of motivation does not, therefore, imply the acceptance of some universalized morality as the basis of actual behavior. Nor does it make human beings excessively noble.” (Ibid., p. 344)
Ranqueamentos de ranqueamentos de ações
Sen propõe uma forma de avaliar “quão éticas” certas preferências são, quando relacionadas entre si, através de ranqueamentos [rankings] de ranqueamentos de alternativas, ou “meta-ranqueamentos” de alternativas19.
Seja o conjunto de ações (mutuamente excludentes) disponíveis ao indivíduo, e um conjunto de ranqueamentos de elementos de (representando relações de preferência distintas). Cria-se então um novo ranqueamento, dessa vez quanto aos elementos de .
Um exemplo ajuda a exemplificá-lo: Seja , e os ranqueamentos
Digamos que um ranqueamento de (i.e. meta-ranqueamento de ) seja , ou seja,
Caso a relação se trate de “moralidade”, então temos que é “mais moral” que as demais preferências e ; ademais, inferimos também que é “mais moral” do que . Temos, portanto, um ranqueamento das preferências contidas em sobre as escolhas em de algum indivíduo. Porém, o procedimento acima, naturalmente, não está restrito a “ranqueamentos morais”, podendo ser empregado em outros contextos.
Neste caso, calhou de que o ordenamento fosse não só um ordenamento parcial de , mas um ordenamento total de , o que não é necessário — inclusive é mais realista que não o seja, pois existem questões morais/éticas etc. que sequer são comparáveis entre si, na vida real.
References
- SEN, Amartya K. Rational fools: A critique of the behavioral foundations of economic theory. Philosophy & public affairs, p. 317-344, 1977.
Footnotes
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Apud SEN, p. 317. ↩
-
Ibid., p. 318. ↩
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Não só Ótimo de Pareto — entre decisões de indivíduos —, mas também um estado em que “nenhuma coalizão de indivíduos, ao alterar a troca entre si mesmos, pode aprimorar seus produtos por conta própria” (Ibid., p. 319). ↩
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Por definição do “núcleo da economia”, “nenhum indivíduo está em piores condições [ao trocar com este mercado] do que estaria sem comercializar [com este mercado]” (Ibid., p. 319); ou seja, ou dá na mesma para ele, ou há um ganho positivo. ↩
-
Ibid., p. 329. ↩
-
A coisa mais comum de se acontecer em contextos capitalistas, vide p. ex. Fetichismo da Mercadoria. ↩
-
Por exemplo, estudantes maníacos que largam empregos com ótimos salários para dedicarem-se à pós-graduação por salários de miséria, o que não é tão incomum quanto se pensaria. Só um exemplo. ↩
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Assumindo que preferências tratam-se exclusivamente do consumo de bens, uma hipótese neoclássica que é reconhecida no texto. ↩
-
“[Sympathy] corresponds to the case in which the concern for others directly affects one’s own welfare” (Ibid., p. 326). ↩
-
Ibid., pp. 327-8. Inclusive, ele aponta o caso em que uma escolha devida ao comprometimento calhou de ser a escolha com maior satisfação: ela é considerada como devida ao comprometimento, invés da maximização de preferências, caso surja alguma alternativa que seja preferível a ela (via relação ) mas que, mesmo assim, sua escolha prévia não se altere. Ou seja, sua escolha é, de fato, devida a algo aquém da maximização de suas preferências. ↩
-
Pois ainda se preserva o efeito do bem-estar alheio afetar o bem-estar próprio, só se muda que este efeito ocorre sob probabilidades: caso ocorra ao outro, ocorrerá para mim; senão, “nada se passa se nada se passar”. ↩
-
Ibid., p. 328; grifo meu. Novamente, menor ou igual, vide nota de rodapé acima. ↩
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Leia-se: Mercadorias. Caso prefira: “bens e serviços”. ↩
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Exceto em casos excepcionais, como p. ex. em algum boicote de consumo de produtos (por motivos extra-pessoais/políticos etc.), cf. ibid., p. 330. ↩
-
Ibid, p. 331. ↩
-
Ibid., p. 336. ↩
-
Ibid. pp. 337-8. ↩