up:: Salário
“O preço médio do trabalho é obtido ao dividirmos o valor diário médio da força de trabalho pelo número de horas da jornada média de trabalho” (MARX, p. 614)
Seja o Valor da Força de Trabalho diário médio , e a Jornada de Trabalho média . Então o “preço médio do trabalho” (por tempo) é definido como1
O salário por tempo diário depende, portanto, da quantidade de horas trabalhadas no dia. É, portanto,
Ou seja, pode ser que, não obstante o valor médio esteja em queda, que o salário mantenha-se constante, mediante aumento da quantidade de horas trabalhadas , com a jornada de trabalho constante – ou seja, assumindo-se que este aumento seja algo “anormal” à jornada de trabalho normal, estabelecida2.
“Conclui-se, como lei geral: estando dada a quantidade de trabalho diário, semanal etc.” (i.e. ), “o salário diário ou semanal dependerá do preço do trabalho, que, por sua vez, varia com o valor da força de trabalho ou com os desvios de seu preço em relação a seu valor. Ao contrário, estando dado o preço do trabalho, o salário diário ou semanal dependerá da quantidade de trabalho diário ou semanal.” (MARX, p. 615)
Desvios da “fórmula”
“Se o salário por hora é fixado de maneira que o capitalista não se vê obrigado a pagar um salário diário ou semanal, mas somente as horas de trabalho durante as quais ele decida ocupar o trabalhador, ele poderá ocupá-lo por um tempo inferior ao que serviu originalmente de base para o cálculo do salário por hora ou para a unidade de medida do preço do trabalho. Sendo essa unidade de medida determinada pela proporção valor diário da força de trabalho/jornada de trabalho de um dado número de horas, ela perde naturalmente todo sentido assim que a jornada de trabalho deixa de contar um número determinado de horas. A conexão entre o trabalho pago e o não pago é suprimida. O capitalista pode, agora, extrair do trabalhador uma determinada quantidade de mais-trabalho, sem conceder-lhe o tempo de trabalho necessário para sua autoconservação.” (MARX, p. 616)
Conforme adota-se a ideia de “pagar somente as horas trabalhadas”, perde-se o padrão estabelecido de jornada de trabalho, que norteava os salários originalmente. Dessa forma, torna-se uma variável oculta, variada a bel prazer do capitalista para o valor mais alto possível, portanto diminuindo o salário pago por hora trabalhada, , e, dessa forma, induzindo maior trabalho dos trabalhadores para que “compensem” seus recebimentos3.
Restrições legais auxiliam a contrabalançar estes abusos:
“A limitação legal da jornada de trabalho põe fim a esse abuso, embora não, naturalmente, ao subemprego resultante da concorrência da maquinaria, da variação na qualidade dos trabalhadores empregados e das crises parciais e gerais.” (MARX, p. 616)
O valor da força de trabalho depende da jornada de trabalho média
“O valor da força de trabalho aumenta de acordo com seu desgaste, isto é, com a duração de seu funcionamento e de modo proporcionalmente mais acelerado do que o incremento da duração de seu funcionamento.” (MARX, p. 616)
Ou seja: o desgaste do trabalhador não é algo linear no tempo, mas agrava-se tanto mais aceleradamente quanto mais tempo ele é empregado. Pode-se ver isso, por exemplo, nos casos extremos de jornadas de trabalho extremas: o desgaste de um dia pode “imiscuir-se” com o desgaste do próximo dia, aumentando-o além de seu desgaste diário normal.
Dessa forma, pagar suas “últimas horas” de trabalho com o mesmo preço das “primeiras horas” é esdrúxulo; esta é a justificação (burguesa) das horas extras e de seu pagamento maior.
Porém, isso tudo é uma bastardização da noção de jornada de trabalho: a própria “jornada normal de trabalho”, sem “horas extras”, já contém Tempo Excedente de Trabalho, sempre. Se não fosse o caso, nenhuma empresa que trabalhasse nas condições normais de trabalho conseguiria gerar Mais-Valor.
Os preços do trabalho dependem da quantidade de trabalhadores efetivos
“Se um homem executa o trabalho de 1½ ou de 2 homens, a oferta de trabalho aumenta, ainda que permaneça constante a oferta de forças de trabalho que se acham no mercado. A concorrência que assim se produz entre os trabalhadores permite ao capitalista comprimir o preço do trabalho, enquanto, por outro lado, o preço decrescente do trabalho lhe permite aumentar ainda mais o tempo de trabalho.” (MARX, p. 618-9)
Ou seja, no caso em que os trabalhadores são capazes de trabalhar por mais de um — fato ocasionado, por exemplo, com a Manufatura e especialmente com a Maquinaria —, efetivamente tem-se uma oferta maior de mão-de-obra no mercado, pois, ao invés de “ver”, p. ex., 5 possíveis trabalhadores, o capitalista “vê” 10, 12, 15 trabalhadores efetivos. Dessa forma, interessa-lhe contratar uma quantidade menor de indivíduos, i.e. a oferta de trabalho está excedente à demanda do capital, portanto induzindo uma queda no preço da força de trabalho.
Dessa forma, encontra-se espaço para acumular “margens”, i.e. dinheiro extra, que pode ou ser reinvestido, ou “queimado” no ato de diminuição do preço da mercadoria para fazer frente à concorrência4.
”Mesmo que todos os capitalistas fossem perfeitamente éticos, ainda assim ocorreria a extração de mais-valor” (GRESPAN, p. 39)
“O capitalista não sabe que também o preço normal do trabalho encerra determinada quantidade de trabalho não pago e que precisamente esse trabalho não pago é a fonte normal de seu lucro. A categoria de tempo de mais-trabalho não existe de modo algum para ele, pois esse tempo está incluído na jornada normal de trabalho que ele acredita pagar quando paga o salário diário. Mas o que existe bem para ele é, sim, o tempo extraordinário, o prolongamento da jornada de trabalho além do limite correspondente ao preço usual do trabalho. Diante de seu concorrente, que vende abaixo do preço de custo, ele defende até mesmo um pagamento extra (extra pay) por esse tempo excedente. Ele não sabe, uma vez mais, que nesse pagamento extra também está incluído o trabalho não pago, assim como o preço da hora usual de trabalho.” (MARX, p. 620)
Ou seja, o salário ofuscou a noção de Tempo de Trabalho Socialmente Necessário, onde crê-se piamente que a jornada de trabalho é paga integralmente, de que não há hora de trabalho que não foi ressarcida — ao menos com o capitalista fazendo seu papel “honestamente”.
Referências
- MARX, Karl. O Capital. Livro 1: O processo de produção do capital. Boitempo Editorial, 2013.
- GRESPAN, Jorge. Marx: uma introdução. Boitempo Editorial, 2021.
Footnotes
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Assumindo Princípio da Troca de Equivalentes? Pois o Preço da Força de Trabalho pode desviar devido a demanda e oferta. ↩
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Evidentemente, caso tal jornada de trabalho excessiva normalize-se, eventualmente o próprio aumentará, cancelando o efeito compensatório de , abaixando o salário efetivamente pago aos trabalhadores. Esta é a história do avanço da Maquinaria, essencialmente. ↩
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A mesma coisa ocorre com o Salário por peça, mais perversa. ↩
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Pois ele estará produzindo “at a loss”, onde o valor da mercadoria é menor do que o valor consumido para produzi-la. “Faz-se necessário” suprir tal perda de outro lugar. ↩