O Capital, I ─ Cap 17, 18, 19; Sobre o salário

”A economia política clássica chega muito próximo à verdadeira relação das coisas, porém sem formulá-la conscientemente.
Ela não poderá fazê-lo enquanto estiver coberta com sua pele burguesa.”
(p. 612)

Cap. 17: Transformação do valor (ou preço) da força de trabalho em salário

Objetivos da aula

Compreender os conceitos:

  • Valor da força de trabalho
  • Preço da força de trabalho
  • Salário da força de trabalho
  • Mistificação produzida pela forma-salário

Relembrando valor e preço em Marx

  • Valor: quantidade de trabalho socialmente necessária para produzir uma mercadoria
  • Preço: expressão monetária do valor de uma mercadoria

Exemplo prático:
1 calça = 1 hora de trabalho (diz-se do valor da calça; pode se modificar se houver mudança na quantidade de trabalho necessário)
Caso 1 hora de trabalho = 1 real,
então temos que 1 calça = 1 real (diz-se do preço da calça; pode se modificar se houver mudança na quantidade de trabalho, e também no valor do próprio dinheiro)

Portanto, como ficaria o valor e o preço da força de trabalho?

Valor da força de trabalho

É a quantidade de trabalho socialmente necessária para produzir diariamente a força de trabalho enquanto classe trabalhadora.

  • Isso inclui todos elementos de consumo para manutenção biológica/social do trabalhador e de sua família: custo de reprodução da força de trabalho (CRFT)
    • Alimentos + roupas + moradia + educação + cuidados com saúde + lazer + etc. etc.

Logo, o que vem a ser o salário da força de trabalho não é somente composto pelo custo de mera subsistência! Inclui também os custos sociais de recomposição da força de trabalho.

Preço da força de trabalho ()

É a expressão monetária do valor da força de trabalho.

Salário

É a manifestação do valor da força de trabalho (ou de seu preço) no mercado.
Portanto, determina-se pela oferta e demanda por força de trabalho:

  • Caso haja compensação da oferta pela demanda, o salário será igual ao valor da força de trabalho
  • Se oferta é maior que demanda, o salário será menor que o valor da força de trabalho, e vice-versa

O salário como forma mistificada do valor da força de trabalho

”A forma-salário extingue todo vestígio da divisão da jornada de trabalho em trabalho necessário e mais-trabalho, em trabalho pago e não pago. Todo trabalho aparece como pago.” (p. 610)

“[No caso do escravismo], a relação de propriedade oculta o trabalho do escravo para si mesmo^[Trabalho necessário, que repõe o valor de sua força de trabalho, os custos de reprodução de sua força de trabalho.]; [no caso do trabalho assalariado], a relação monetária oculta o trabalho gratuito^[Mais-trabalho, que gera mais-valor (para o capitalista).] do assalariado” (idem)

Quando se fala do salário, se fala do pagamento do trabalho por um determinado período de tempo; acaba sendo sugestivo de estar pagando por todo o trabalho nesse período de tempo, invés de estar pagando somente pelo Custo de Reprodução da Força de Trabalho (i.e. o tempo necessário de trabalho/valor da força de trabalho). Portanto, a forma-salário é mistificadora, pois encobre essa relação de apropriação privada do mais-valor gerado pelo trabalhador.

Cap. 18: O salário por tempo

Objetivos da aula

  • Entender como a forma salário por tempo afeta a vida do trabalhador
  • Conceitos
    • Valor da força de trabalho e jornada normal
    • A hora extra
    • A conexão entre valor da força de trabalho e mais-valor

Definição: Salário por tempo

Quando o valor da força de trabalho se representa diretamente em salário por unidade de tempo (hora-a-hora, diário, semanal, mensal, etc)

onde a jornada normal quer dizer o período de tempo em que a força de trabalho consegue operar de maneira normal; i.e., no período de tempo em que ela consegue operar com desvios desprezíveis de sua intensidade normal.

A mistificação da hora-extra

Pensando no salário como sendo, digamos, por hora, é fácil pensar em contratar o trabalhador pelo período necessário às necessidades do capital, invés de fazê-lo pelo período natural às necessidades do próprio trabalhador.

Exemplo prático:
Digamos que o salário por hora de um trabalhador seja

Porém, isso diz respeito ao salário em uma jornada de 8 horas! Caso o capitalista deseje contratá-lo com esse mesmo salário, mas por um período maior (e.g. 12h), ele estará pagando mais, mas somente num contexto de repor a força de trabalho agindo por 8h diárias!

Uma jornada de 12h induz um desgaste diferente (no caso, maior) e, portanto, induziria um custo de reprodução da força de trabalho diferente (no caso, maior)!

No caso de trabalhar 12h, o trabalhador receberá s_t \cdot 12h = \150$, quando deveria, para repor sua força de trabalho, receber uma quantidade distinta por hora (o que, naturalmente, pressuporia por quanto tempo ele trabalharia)!

O rompimento da conexão entre e

Tem-se que o trabalhador corre o risco de receber um salário que não recomponha o valor de sua força de trabalho:

  • o salário por tempo divide esse valor por um número de horas de uma jornada considerada normal, onde cada hora se divide em trabalho pago ─ trabalho não-pago
  • portanto, o capitalista pode contratá-lo por menos horas que numa jornada normal, fazendo o trabalhador
    • receber efetivamente menos salário do que recomporia os custos de reprodução de sua força de trabalho
    • enquanto ainda oferece mais-valor ao capitalista

Portanto, não há mais relação entre o trabalho necessário e o trabalho excedente! O trabalhador está gerando mais-valor, mas não está recebendo pelo valor de sua força de trabalho.

Portanto, legitimam-se as demandas trabalhistas por redução de jornada com manutenção dos salários, pois os salários são a forma com que o trabalhador recompõe sua força de trabalho, ao passo que, para o capitalista, é meramente um custo (as far as they’re concerned, é como um custo para obtenção de meios de produção como matéria-prima ou máquinas…).

Cap. 19: O salário por peça

Objetivo da aula

  • Entender como o salário por peça afeta a vida do trabalhador

Salário por peça

É o preço pago por peça/mercadoria produzida. A mistificação é maior, pois parece que o trabalho inteiro, da jornada de confecção de uma peça, é pago, quando o trabalhador só ganha pelo valor de sua força de trabalho.

Características do salário por peça

A derivação desse salário depende

  • da duração normal da jornada de trabalho
  • do grau de intensidade médio do trabalho
  • do número de peças obtido por um trabalhador de habilidade média

Ou seja, essa forma de salário intensifica o trabalho e induz uma maior concorrência entre os trabalhadores, pois, se o trabalhador não consegue atingir a intensidade média (dentro dos padrões de qualidade necessários^[Vide escândalo de trabalho na Zara, de não-recebimento por peças fora dos padrões de qualidade da empresa.]), ele não conseguirá receber pela integralidade dos custos de reprodução de sua força de trabalho.

Consequências do salário por peça

  • Como a qualidade do trabalho é controlada pelo próprio trabalhador (em outras palavras, é de “sua responsabilidade”), é de “seu interesse” tanto aumentar a intensidade quanto prezar pela qualidade (a fim de vender para sobreviver)
  • O trabalhador busca intensificar seu trabalho, lest ele será substituído por outro trabalhador mais competente; portanto, há um aumento do grau médio de intensidade desse trabalho
  • O capitalista consegue economizar com o trabalho de controle e supervisão^[Tenha-se em mente também a “coerção” que o exército de reserva de desempregados induz na mente do trabalhador.]
  • Trabalhadores menos produtivos tenderão a trabalhar por mais horas, para conseguir recuperar o valor de sua força de trabalho
  • Os aumentos na produtividade do trabalho (i.e. geração de mais peças num mesmo período de tempo), sem aumento equivalente no valor da força de trabalho, reduzirão o salário por peça (vide fórmula acima); portanto, induzirão um aumento no tempo de trabalho de todos os trabalhadores (ainda mais para os menos competentes)

Exemplo prático de salário por peça: Zara, 2011

Informações importantes:

  • Jornada de trabalho: entre 12h e 16h por dia

  • Produtividade média: 8 peças por dia

    • Caso excepcional: 50 peças em um dia (muito provavelmente em bem mais horas de trabalho)
  • Zara contrata oficina pagando R$ 7 por peça

  • Oficina contrata costureiras pagando v = R\ 2$ por peça

  • Valor de cada peça é ;

  • valor da peça à venda é R$ 139,00 (calça jeans)

  • Valor dos meios de produção, estimado: R$ 30,00

reais por peça

Taxa de mais-valor por peça:
!!!

Mais-valor produzido por dia:

  1. Caso de um trabalhador médio:
    M = 107 \cdot 8 = R\ 856,00$
  2. Caso extremo:
    M = 107 \cdot 50 = R\ 5350,00$

Análise de salário mínimo do DIEESE

Dados do DIEESE, do salário mínimo mensal em maio de 2011: R 76,50

Sendo que o trabalhador ganhava R$2 por peça, então ele tinha que produzir 39 peças por dia para poder repor sua força de trabalho!!! Porém, como ele somente consegue produzir 8 peças por dia, ele tem que trabalhar muito mais para poder (tentar) repô-la.


Referências

  • O Capital, Livro I, Karl Marx.