up:: Uma visão etnográfica da Faria Lima
Disclaimer: Estes textos são sobre minha breve passagem, em uma só empresa, no meio corporativo. Porém, percebo padrões que sinto que sejam presentes a este meio como um todo. Estes textos não são justificações ou enaltecimentos deste ambiente e de seu habitus; são, antes de tudo, uma espécie de vista etnográfica desse meio, podendo ser de interesse particular para quem esteja totalmente alheio a este ambiente ─ e em particular de quem fala tanto sobre a Faria Lima através de recursos retóricos, mas que não faz ideia da realidade de seus próprios argumentos.
“O homem não aparece, nem objetivamente, nem em seu comportamento em relação ao processo de trabalho, como o verdadeiro portador desse processo; em vez disso, ele é incorporado como parte mecanizada num sistema mecânico que já encontra pronto e funcionando de modo totalmente independente dele, e a cujas funções ele deve se submeter.” (LUKÁCS, p. 203-4)
Sobre “bons chefes” e “maus chefes” — segurar o trabalhador a rédea curta, pois o trabalho lhes é alheio
“Do mesmo modo, o comando do capitalista sobre o trabalho parecia inicialmente ser apenas uma decorrência formal do fato de o trabalhador trabalhar não para si, mas para o capitalista e, portanto, sob o capitalista. Com a cooperação de muitos trabalhadores assalariados, o comando do capital se converte num requisito para a consecução do próprio processo de trabalho, numa verdadeira condição da produção. O comando do capitalista no campo de produção torna-se agora tão imprescindível quanto o comando do general no campo de batalha.” (MARX, p. 406)
A divisão do trabalho como forma de usar eficientemente o tempo — eficiente para o capitalista
“A passagem de uma operação para outra interrompe o fluxo de seu trabalho, formando, em certa medida, poros em sua jornada de trabalho. Tais poros se fecham assim que ele passa a executar continuamente uma única e mesma operação o dia inteiro, ou desaparecem à medida que diminuem as mudanças de sua operação.” (MARX, p. 415)
Agora colocados em “esteiras” metafóricas (e não-tão-metafóricas), o trabalho de um pode atrasar o processo inteiro, como o elo mais fraco em uma corrente.
“No resultado do trabalho de um está o ponto de partida para o trabalho do outro. Assim, um trabalhador ocupa diretamente o outro.” (MARX, p. 419)
Não bastasse isso, o próprio capitalista fustiga-os com metas, fazendo com que compitam uns com os outros no tocante à maior produção de resultados; aos olhos do capitalista, estão meramente atraindo porcos com uma cenoura numa vara; aos olhos dos trabalhadores individuais, se está trabalhando mais para que seu merecido galardão também aumente — mesmo que ao detrimento de outrem, afinal, todos precisam pagar suas contas.
“O hábito de exercer uma função unilateral transforma o trabalho parcial em órgão natural – e de atuação segura – dessa função, ao mesmo tempo que sua conexão com o mecanismo total o compele a operar com a regularidade de uma peça de máquina.” (MARX, p. 423)
Diga-se de passagem, por mais que a eficiência seja louvada neste meio, o capitalista prefere muito mais uma mão-de-obra totalmente previsível do que uma que seja um pouco mais eficiente, porém mais imprevisível, i.e. que tenha “rédeas menos curtas”. Ou seja, age de uma forma que aparenta ser “irracional” (no tocante ao processo de produção de Mais-Valor), priorizando a regularidade do processo total, sua calculabilidade e previsibilidade.
O processo todo torna-se, por vezes, absurdamente segmentado, ao ponto de que tudo fique estagnado por questões de “não é minha responsabilidade”.
“[A manufatura] aleija o trabalhador, converte-o numa aberração, promovendo artificialmente sua habilidade detalhista por meio da repressão de um mundo de impulsos e capacidades produtivas” (MARX, p. 434)
Maquinaria e submissão do trabalhador ao trabalho
“A partir do momento em que a máquina de trabalho executa todos os movimentos necessários ao processamento da matéria-prima sem precisar da ajuda do homem, mas apenas de sua assistência, temos um sistema automático de maquinaria, capaz de ser continuamente melhorado em seus detalhes.” (MARX, p. 455; grifo meu)
Inclusive, diga-se de passagem que, mesmo em casos em que é mais eficiente empregarem-se máquinas/algoritmos etc, pode-se haver um boom de contratações de trabalhadores: esse é o caso quando lhes é mais barato fazê-lo. Desfaz-se a ilusão toda de “cliente em primeiro lugar”; o que importa é o dinheiro que lhes resta no final do processo, é claro.
“Considerada exclusivamente como meio de barateamento do produto, o limite para o uso da maquinaria está dado na condição de que sua própria produção custe menos trabalho do que o trabalho substituído por sua aplicação. Para o capital, no entanto, esse limite se expressa de forma mais estreita. Como ele não paga o trabalho aplicado, mas o valor da força de trabalho aplicada, o uso da máquina lhe é restringido pela diferença entre o valor da máquina e o valor da força de trabalho por ela substituída.” (MARX, p. 466; grifo meu)
Questão de Depreciação Moral e aumento da jornada de trabalho
Questão de “acabar o trabalho antes” ⇒ “receber mais trabalho”
“O que poderia caracterizar melhor o modo de produção capitalista do que a necessidade de lhe impor as mais simples providências de higiene e saúde por meio da coação legal do Estado?” (MARX, p. 552)
Sobre “procurar trabalho em outro lugar” após automatização ⇒ o trabalho como sendo algo unilateralizante das habilidades do trabalhador (realmente uma mutilação de suas capacidades)
“…os operários expulsos” (pela maquinaria, automatização etc) “de um ramo da indústria podem, sem dúvida, procurar emprego em qualquer outro ramo. Se o encontram e, com isso, reata-se o vínculo entre eles e os meios de subsistência com eles liberados” (ou seja, alimentação, aluguel, etc. etc.), “isso se dá por meio de um capital novo, suplementar, que busca uma aplicação, mas de modo algum por meio do capital que já funcionava anteriormente e agora se converteu em maquinaria. E, mesmo assim, que perspectiva miserável têm eles! Mutilados pela divisão do trabalho, esses pobres diabos valem tão pouco fora de seu velho círculo de atividade que só logram o acesso a alguns poucos ramos laborais inferiores e, por isso, constantemente saturados e sub-remunerados.” (MARX, p. 512-3)
“A natureza da grande indústria condiciona, assim, a variação do trabalho, a fluidez da função, a mobilidade pluridimensional do trabalhador. Por outro lado, ela reproduz, em sua forma capitalista, a velha divisão do trabalho com suas particularidades ossificadas. Vimos como essa contradição absoluta suprime toda tranquilidade, solidez e segurança na condição de vida do trabalhador, a quem ela ameaça constantemente com privar-lhe, juntamente com sua função parcial, de seu meio de subsistência; como, juntamente com sua função parcial, ela torna supérfluo o próprio trabalhador; como essa contradição desencadeia um rito sacrificial ininterrupto da classe trabalhadora, o desperdício mais exorbitante de forças de trabalho e as devastações da anarquia social.” (MARX, p. 557)
“‘Que é uma jornada de trabalho?’ Quão longo é o tempo durante o qual o capital pode consumir a força de trabalho cujo valor diário ele paga? Por quanto tempo a jornada de trabalho pode ser prolongada além do tempo de trabalho necessário à reprodução da própria força de trabalho? A essas questões, como vimos, o capital responde: a jornada de trabalho contém 24 horas inteiras, deduzidas as poucas horas de repouso sem as quais a força de trabalho ficaria absolutamente incapacitada de realizar novamente seu serviço. Desde já, é evidente que o trabalhador, durante toda sua vida, não é senão força de trabalho, razão pela qual todo o seu tempo disponível é, por natureza e por direito, tempo de trabalho, que pertence, portanto, à autovalorização do capital. Tempo para a formação humana, para o desenvolvimento intelectual, para o cumprimento de funções sociais, para relações sociais, para o livre jogo das forças vitais e intelectuais, mesmo o tempo livre do domingo — e até mesmo no país do sabatismo [Inglaterra do século XIX] —, tudo isso é pura futilidade! Mas em seu impulso cego e desmedido, sua voracidade de lobisomem por mais-trabalho, o capital transgride não apenas os limites morais da jornada de trabalho, mas também seus limites puramente físicos. Ele usurpa o tempo para o crescimento, o desenvolvimento e a manutenção saudável do corpo. Rouba o tempo requerido para o consumo de ar puro e de luz solar. Avança sobre o horário das refeições e os incorpora, sempre que possível, ao processo de produção, fazendo com que os trabalhadores, como meros meios de produção, sejam abastecidos de alimentos do mesmo modo como a caldeira é abastecida de carvão, e a maquinaria, de graxa ou óleo. O sono saudável, necessário para a restauração, renovação e revigoramento da força vital, é reduzido pelo capital a não mais que um mínimo de horas de torpor absolutamente imprescindíveis ao reavivamento de um organismo completamente exaurido.” (MARX, p. 337-8)
Referências
- MARX, Karl. O Capital-Livro 1: Crítica da economia política. Livro 1: O processo de produção do capital. Boitempo Editorial, 2013.
- Lukács, G. “A reificação e a consciência do proletariado”. In: História e Consciência de Classe. Martins Fontes, 2003.
- Estou Me Guardando Para Quando O Carnaval Chegar - 2019 (Longa Metragem)