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Dados os conteúdos pesados do livro — bullying, depressão, ansiedade, ataques de pânico, ideação suicida —, é minha responsabilidade, como autor, pedir o cuidado do leitor. Caso não se sinta confortável com ver estes temas em livro — especialmente em um livro com palavras bem contundentes —, talvez este não seja o livro para você no momento. Há, sim, uma certa catarse de ver seu próprio sofrimento escrito em palavras alheias, mas a mesma faísca que acende uma confortável fogueira pode causar um imprevisível incêndio. Caso deseje arriscar-se, saiba que os conteúdos mais “engatilhantes” estão na segunda parte do livro. De qualquer forma, lembre-se que seu bem-estar e segurança valem mais do que um livro de poesia! E, caso seja necessário, busque ajuda, não se isole!

Sobre o livro em si: creio que ele não foi feito para ser lido de uma só vez, e nem em um só dia. Digo isso em parte por ser um livro “visceral” demais, e, claro, também pelo ego do autor que pede por um pouquinho mais da atenção do leitor. Este é um livro — eu chamaria meramente de “compilado de poemas” — escrito ao longo de mais de 10 anos (o primeiro, Ampulheta, foi escrito por volta de 2010). Espero que seja claro, portanto, uma ruptura qualitativa no teor dos textos da primeira para as próximas partes: isso se deu quando decidi para mim mesmo que só escreveria o que tivesse que ser expurgado de dentro de mim ─ e, naturalmente, nem sempre cirurgias são bonitas de se ver.

Creio que, para mim, meu escrever, por assim dizer, “escatológico” é uma forma de fugir da monotonia de descrever o mundo (e a mim mesmo) em categorias blasés cotidianas. “Reclamar da solidão” é carta marcada demais, e tem músicas demais sendo escritas sobre isso ─ e note-se que lembramos somente daquelas que falam disso sob o prisma original de alguma pessoa que consegue emancipar-se de sua experiência particular ao expressar algo mais universal. Ninguém meramente “sofre de solidão”, isso é um reducionismo: sente-se só por não se sentir adequado e isso impedir a comunicação com pessoas que se queira conversar, ou sente-se só por não ter alguém com quem dividir a cama e dormir abraçados, sente-se só por estar em algum ambiente em que as pessoas não tenham seus mesmos interesses e/ou visões de mundo, sente-se só por não sentir acolhimento pelos seus próximos, etc. etc. E meus textos, embora possam ser reduzidos a temas simples (e repetitivos até demais), são minhas tentativas de interpretar meus sofrimentos “microscopicamente”; de, por assim dizer, rechaçar minha tendência de ou olhar para o outro lado e esperar que a tormenta passe, ou de simplificá-la como isso ou aquilo e ponto final.

É um mundo muito bonito em que vivemos, e em que muitas pessoas conseguem, apesar de todos os pesares, viver vidas em comunhão em comunidades solidárias. Ver o mundo cotidiano como um reflexo do mundo competitivo corporativo é uma imposição da hegemonia cultural em que estamos imersos ─ e recusar tal visão, ao tanto buscarmos quanto criarmos comunidades saudáveis e emancipadas de tais palavras alheias, é um ato de rebeldia, é um ato de construção em oposição às forças de destruição ─ tanto do céu e do mar, quanto do corpo e do espírito ─ que nos afligem diariamente e há séculos.

Não estamos sozinhos, nunca estamos sozinhos. Sempre haverão pessoas dispostas a ajudar, se procurarmos nos lugares certos. Ninguém é uma ilha, e ninguém deveria sequer ter tal pensamento horrível rondando seu coração. A fúria que surge de tal constatação pode desembocar em pura destruição, mas a raiva existe como um apontamento corpóreo: “algo não está certo, faça algo para sanar este instinto”, e tal ímpeto pode ser canalizado construtivamente. A arte é apenas uma forma disso, e, no meu caso, uma em que me sinto mais confortável para me expressar (por mim mesmo e por outras pessoas, como acabei descobrindo com o tempo). Se vivemos em uma sociedade da fúria, isso tem seu motivo capital; sabe-se que vivemos em uma sociedade da fúria reprimida, e isso basta para vermos que tais sentimentos são repressões externamente instigadas, mesmo que paulatinamente internalizadas. E que, portanto, há de haver luta, e para que possamos combater esta pressão do mundo externo, é preciso que não sucumbamos ao vácuo de nosso mundo interno.

Enfim, espero que estes textos/poemas permitam que ao menos alguém sinta-se minimamente contemplado e menos sozinho em seus sofrimentos. E, novamente, que busque ajuda psicológica caso necessário.

Que estes escritos possam confortar alguns afligidos e, quem sabe, afligir alguns confortáveis.