Manuel Castells constroi, neste livro, uma tese sobre o comportamento dos movimentos sociais que ocorreram entre 2010 e 2011, devido ao seu caráter distinto de movimentos sociais anteriores. Discute-se sobre o uso da Internet como um combustível não só da revolução, como também da própria democracia em movimentos que ainda seguirão.

O argumento do livro gira em torno do mundo pós-2008, quando ocorreu a crise imobiliária nos Estados Unidos, a qual repercutiu na economia ao redor do mundo inteiro. Com a bancarrota dos principais bancos americanos, pouquíssimos setores da economia não foram, ou foram minimamente, afetados. Ao passo que a economia como um todo ruía, haveria de surgir alguma solução para amenizar o impacto da crise. Aproveitando-se da situação, instituições como o FMI (Fundo Monetário Internacional) propunham empréstimos para países endividados, em troca da adesão de medidas austeras a fim de reduzir os gastos nacionais, como cortes de gastos públicos, aumento da idade mínima da aposentadoria, etc.

A partir do momento que o mundo passa a tomar um desenlace mais neoliberalista, Castells argumenta, o povo passa a perceber que o Estado não é mais “do povo, para o povo”, mas uma máquina que visa a manutenção do poder nas mãos das elites vigentes. E então verbaliza-se o que todos sabem, mas ninguém fala: a democracia é representativa somente, não participativa. Os poderes estabelecidos governam sob seus interesses e valores, não do povo; quando operam sob a ética da população, há alguma espécie de convergência de interesses das duas partes, como nas épocas de eleição.

Aliado ao sentimento de traição do povo em relação ao Estado, as redes sociais começam a surgir ao redor deste mesmo período. O principal diferencial das redes na Internet são o fato de poder-se conectar com o mundo inteiro, sem que suas palavras sejam modificadas por qualquer órgão regulador. As ideias são passadas “da boca à plateia”, por assim dizer. Surge um novo modo de comunicação, que mudou o mundo drasticamente. “O mundo encolheu”, como dizem muitos entusiastas da globalização. A tendência, conforme Milton Santos, é a “convergência dos momentos”¹, quando toda informação em uma parte do globo já é sentida no mundo inteiro. Juntamente das conversas com amigos, divulgam-se também as ideias, e percebe-se que o sentimento de traição é generalizado. Discute-se sobre o tema, surgem hipóteses, planos. Mas sobretudo surge a indignação, pelo governo não cumprir seu papel social de defender o povo. E daí surgem o que Castells chama de “novos movimentos sociais”, os quais criam raízes na rede digital, e se manifestam fisicamente na rede urbana; a esta simbiose de redes, o autor denominou “espaço em rede”.

As instituições vigentes, a fim de manter-se, repudiam o que esteja aquém de seu alcance político e que seja potencialmente perigoso a si mesmas. Não é de se estranhar que as redes sociais tenham virado um alvo das mesmas. Castells distinguiu dois modos pelo qual o poder instituído traduz sua influência: pela coerção, e pela mudança ideológica. A manipulação coercitiva, através da intimidação, do medo e até da violência, chega a ser muito efêmera, a tal ponto que se parte para a modificação da ideologia da sociedade, a fim de que as ações das elites sejam sempre justificadas por si mesmas. O fato de que ideias poderiam ser transmitidas em rede, sem que se pudesse censurar uma letra sequer, tirou noites de sono das pessoas no poder, certamente. Muito tentou, e ainda se tenta, fazer quanto à total liberdade dos internautas nas redes. A tendência, ao longo do tempo, foi a autorregulação da Internet pelos seus “habitantes”. Este fato corrobora o argumento de Castells perfeitamente.

As redes serviram de combustível para a revolução, tendo seu marco inicial com a Primavera Árabe, quando um comerciante tunísio, Mohammed Bouazizi, ateou fogo a seu próprio corpo. O ato foi simbolizado como um ato de protesto nas redes, servindo de estopim para uma massiva mobilização na Tunísia que se espalharia ao redor do Oriente Médio. A chamada Revolução Jasmim, da Tunísia, em 2011, depôs o ditador tunísio Ben Ali, assim como os ditadores Hosni Mubarak, no Egito, e Muammar Gaddafi, na Líbia. Os protestos não surgiram só devido a um homem que ateou fogo a seu próprio corpo; na Tunísia, surgiu devido à corrupção do ditador, falta de liberdades políticas, 15 a 20% de desemprego, privatizações em massa. No Egito, uma situação similar: cerca de 25% do povo abaixo do nível da pobreza, complicações econômicas em relação ao Canal de Suez, a pirataria no Mar Vermelho, inflação.² A rede social Twitter cumpriu o papel da disseminação da Primavera Árabe, principalmente pelo fato de consistir em um microblog, ao contrário do Facebook, o qual tornou-se um gigante das massas anos antes dos fatos; a censura visou principalmente o Facebook, negligenciando em grande parte a atividade do Twitter.²

A partir destes fatos Castells cria sua tese ao longo do livro: após a crise de 2008, a qual deflagrou a ilegitimidade da democracia vigente e do poder instituído como “do povo, para o povo”, o povo se vê como antagonista do governo, visando algo além do que chama de “velha política”, utilizando-se das redes para articulação de movimentos sociais a favor da mudança. Castells conclui que a revolução social surge não só da pobreza ou desespero político, mas de uma mobilização emocional. A indignação é a força-motriz da revolução, mas o que motiva o povo a persistir frente ao “monopólio da violência” do sistema não é só indignação, senão a esperança de que haverá algum resultado no fim do túnel.

Castells cria o argumento da dicotomia “poder e contra-poder”, sendo o “poder” as instituições vigentes, e o contra-poder, aqueles que desejam impor-se frente ao egoísmo do sistema em satisfazer suas próprias necessidades somente. Os movimentos buscam deslocamento do poder, de um Estado puramente representativo e alheio à sociedade, para um Estado participativo, verdadeiramente do povo para o povo. A tendência do mundo pós Guerra Fria é que o Estado democrático havia vencido a luta ideológica, conseguindo manter-se estavelmente pelo fato de levantes contra o governo serem vistos como “atos antidemocráticos”. O diferencial da atualidade é que parecer haver uma vantagem do lado do contra-poder, devido ao fato de que os movimentos sociais estão se tornando locais e globais conforme a tecnologia da informação aumenta. Os eventos locais, com pessoas físicas, tornam-se globais por imagens e vídeos na rede. As redes servem como sustentáculo das novas formas de movimentos sociais, dando forma, razão e imagem aos mesmos.

No tocante às ações do contra-poder, Castells atenta à ocupação de espaços que são características de movimentos sociais, destacando três características sobre o ato:

  • Os movimentos sociais ocorrem pela necessidade do ser humano de se reunir entre si, seja pela necessidade de sobrevivência ou, no caso de protestos, para atenuar o medo que todos sentem ao criar-se uma micro-comunidade no local; o contato social serve para lembrar a todos que a “tormenta” é passageira, que devem persistir sem temer;

  • A ocupação de espaços é simbólica em sua essência, devido também à necessidade do ser humano de tentar comprovar seus ideais a partir de fatos do cotidiano. A Queda da Bastilha, marco inicial da Idade Moderna e prelúdio da queda de Luís XVI, imperador da França, tornou-se uma conquista simbólica, ao passo de que a Bastilha, uma gigantesca prisão fortificada, era o símbolo da opressão do Absolutismo monárquico; a tomada desta pelo povo tornou-se uma analogia à deposição do Absolutismo pelo governo popular;

  • Um espaço conquistado torna-se espaço da micro-comunidade que ali se fixa e toma forma. Sendo espaço de reunião, logo toma também papel de espaço de deliberações políticas e sociais do grupo. As barricadas, como Castells argumenta, não servem para defender o povo contra a violência a si imposta, por sua pouca eficácia; elas servem, de fato, como tenduma fronteira simbólica do “eles” em oposição ao “nós”, tornando físico e tangível um conceito abstrato, de tal modo que qualquer um pode unir-se à causa simplesmente ao reunir-se fisicamente à multidão detrás da barricada, sem necessariamente compartilhar das causas dos protestos.

Após sua tese sobre o comportamento dos novos movimentos sociais da atualidade, Castells retrai-se de quaisquer conclusões acerca do tema; suas hipóteses são meramente hipóteses suas. Diante da questão sobre a mudança que os protestos podem causar, a resposta é lacônica: não se sabe qual será a natureza dos resultados. Há tendências positivas e negativas, mas nenhuma conclusão fácil de ser feita, de fato. O partido popular Podemos, de Pablo Iglesias na Espanha, tomou dimensões imensas a partir de 2013, tendo o massivo apoio de jovens e jovens adultos, pelo fato de propor a mudança que a população deseja, mas que o governo instituído não atende. Os resultados após a eleição do partido Podemos, hipoteticamente falando, pode ser benéfica ao país, ou não.

Percebe-se, também na Espanha, o movimento independentista catalão, com movimentos como o “Ara és l’hora”, que começam a tomar proporções cada vez mais crescentes. Porém, o que se percebe pela parte do Estado é um completo abafamento do caso, pelo simples fato de a Catalunha ser, essencialmente, a região mais rica da Espanha. Não se sabe se os movimentos sociais aliados às redes sociais serão historicamente mais efetivos que os movimentos sociais pré-Internet. Porém, algo que estes novos movimentos puderam proporcionar foi uma tomada de consciência generalizada, ao longo do mundo, atentando ao povo que suas necessidades são, sim, prioridades às quais o Estado deve atender. Se os movimentos em si não produzirem resultados por si sós, ao menos o fato de terem ocorrido, e de não terem sido fatos isolados, mas globais, nos diz que algo, ao menos alguma coisa, deve mudar. E isto pode fazer toda a diferença.

Referências Bibliográficas:

  • CASTELLS, Manuel. Redes de Indignação e Esperança: Movimentos sociais na era da Internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

  • SANTOS, Milton. Por uma nova globalização: Do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.

  • BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. A Segunda Guerra Fria: Geopolítica e dimensão estratégica dos Estados Unidos (Das rebeliões na Eurásia à África do Norte e ao Oriente Médio). Porto Alegre: Civilização Brasileira, 2013.

  • MANIERI, Dagmar. Internet e os novos movimentos sociais. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/plural/article/view/97219/96268. Acesso em: 26 ago. 2015.

  • TRIGO, Luciano. Redes de indignação e esperança: um guia para o presente. Disponível em: http://g1.globo.com/platb/maquinadeescrever/2010/07/. Acesso em: 26 ago. 2015.

[Escrevi essa resenha sobre o livro “Redes de Indignação e Esperança”, de Manuel Castells, no segundo semestre de 2015 (meu primeiro ano de faculdade), para a disciplina “Ciência, Tecnologia e Sociedade” da Escola de Engenharia de Lorena (EEL-USP).]