Nome: Nicholas Funari Voltani
Nº USP: 9359365

1) A partir da descrição realizada no capítulo “Os trabalhadores pobres” de Eric Hobsbawn, relacione as condições de vida dos trabalhadores europeus no início do século XIX e a emergência do movimento operário e caracterize esse movimento.

Ocorre uma grande disrupção no modo de vida dos trabalhadores (rurais e urbanos) no início do século XIX, como consequência tanto da Revolução Francesa quanto da Revolução Industrial: tanto nos valores vigentes nas sociedades de então ─ uma suplantação brusca da visão religiosa tradicional pelos valores seculares burgueses ─, quanto no próprio modo de vida e de relação dos indivíduos com seu trabalho e com a sociabilidade nas cidades. A experiência dos trabalhadores “proletarizados” torna-se deplorável, sendo estes forçados a morar em cortiços lotados, em ambientes urbanos insalubres, propícios à deflagração de epidemias (principalmente cólera e tifo) e altamente violentos ─ não só a violência física e psicológica de viver nestes meios, mas também a violência econômica/financeira (quando não também física) pela mão de seus patrões, através de condições abusivas e exploratórias de trabalho, salários ínfimos, ausência de direitos trabalhistas, etc. É uma época na qual surge toda espécie de hábitos e condições físico-mentais, consequências diretas do ambiente altamente exploratório que se tornaram as cidades do século XIX: proliferação da prostituição, suicídios, demência, “pestes de embriaguez”: “Todas estas formas de distorções do comportamento social tinham algo comum entre si (…). Eram tentativas de escapar do destino de ser um trabalhador pobre ou, na melhor das hipóteses, de aceitar ou de esquecer a pobreza e a humilhação. Os que acreditavam na ressurreição [vide novas seitas místicas surgindo na época], os bêbados, os criminosos, os lunáticos, os vagabundos (…) desviavam os olhos das condições de coletividade e (…) se sentiam apáticos em relação à possibilidade de uma ação coletiva” (HOBSBAWM, p. 225).

O movimento operário foi um movimento de classes, não somente um movimento grevista O movimento operário, como Hobsbawm o elabora, não surge como um mero movimento grevista ou de revoltas espontâneas, e sim como um movimento de classes: não mais de “pobres contra ricos”, e sim como “classe operária contra capitalistas”, dos completamente despossuídos contra os detentores privados dos meios de produção. Neste movimento proliferam novas ideias de sociabilidade, opostas à visão burguesa que se fazia hegemônica: promoviam a cooperação invés da pura competição, a coletividade invés do individualismo burguês (em particular no tocante à “busca pela felicidade”); em suma, uma visão socialista da sociedade, a qual “representaria não o eterno sonho da sociedade livre, (…) e sim uma alternativa praticável e permanente para o sistema em vigor” (HOBSBAWM, p. 230-31).

2) Caracterize as principais ideologias em debate na Europa no início do século XIX em torno da interpretação acerca das mudanças introduzidas pela dupla revolução.

As principais ideologias na Europa do início do século XIX, decorrentes tanto da Revolução Francesa quanto da Revolução Industrial (“dupla revolução”), foram o liberalismo clássico (burguês) e o socialismo.

O liberalismo clássico teve por premissa principal o pensamento racionalista e secular (herança do Iluminismo), tendo surgido como oposição ao contexto histórico absolutista e clerical subsequente ao período feudal. Sua forma de pensar a sociedade primou pela dedução racional de suas teorias sociais, frequentemente tomando inspiração no método dedutivo das ciências exatas do século XVII (Pascal, Descartes, Newton, etc); era uma filosofia “convencida da capacidade dos homens em princípio para compreender tudo e solucionar todos os problemas pelo uso da razão” (HOBSBAWM, p. 256). Além disso, via a sociedade como uma mera soma de indivíduos atomizados em busca de seus próprios objetivos particulares (como a “busca pela felicidade”), sendo os objetivos sociais (a “maior” felicidade total possível) uma mera “soma aritmética”, a qual alguns viram sendo maximizada através do contrato social (Hobbes), e outros, pela divisão social do trabalho (Adam Smith). Além disso, prezam pela propriedade privada como um dos mais importantes “direitos naturais” do homem (consolidados legalmente após a Revolução Francesa), tornando-se o direito ao comércio, então, um direito inalienável do homem; estabelece-se, então, o fundamento legal que permitia a exploração da mão-de-obra no alvorecer da Revolução Industrial, tornando-se a força de trabalho dos trabalhadores assalariados uma mera “propriedade” que o capitalista adquire no mercado, equiparável às matérias-primas e à maquinaria que adquire para produção de mercadorias.

O socialismo surge como uma ideologia, a princípio, derivada do liberalismo burguês, herdando tanto o pensamento racional quanto a crença no progresso advindo da Revolução Industrial. Porém, coloca-se como crítica da ideologia liberal, em particular no tocante à exploração capitalista do trabalho e à visão individualista da sociedade. Elaborando sobre a própria teoria de valor-trabalho proposta inicialmente por David Ricardo (e desenvolvida posteriormente, p. ex. por Marx), questionam sobre a exploração dos trabalhadores pelos capitalistas: “Se (…) o trabalho representava a fonte de todo o valor, então por que a maior parte de seus produtores viviam à beira da privação?” (HOBSBAWM, p. 263). Além disso, traziam uma visão do homem como um ser comunitário, oposta à visão liberal do homem atomizado, sendo a “felicidade” algo impossível de se adquirir sozinho, às custas da felicidade de outrem; é justamente algo que “todos devem compartilhar”, senão sendo algo que “a minoria nunca será capaz de [gozar]” (OWEN apud HOBSBAWM, p. 263).

3) Relacione o processo de “afirmação do indivíduo” tal como descrito por Alain Corbin com a conjuntura política, econômica e social engendradas a partir da revolução industrial.

Esse processo de “afirmação do indivíduo”, que surge a partir da Revolução Industrial, está atrelado ao movimento de despersonalização dos indivíduos nos espaços urbanos. Forçados a viver em uma cidade hostil à vida, tanto pela insalubridade e violência urbana quanto pela exploração no trabalho, “conscientes de que, distintamente dos poderosos, não deixarão marcas, eles contam com a perenidade de suas iniciais gravadas nos troncos ou na pedra” (CORBIN, p. 421), passam a buscar formas que estejam a seu alcance para afirmar sua identidade e existência enquanto indivíduos particulares ─ inclusive, tal fazer está imbricado na visão de mundo liberal e individualista que permeava os ares do século XIX. Tal ato começa a se fazer mais visível aos poucos, tanto pelo novo papel que os espelhos começavam a ganhar na vida privada, e eventualmente com a popularização dos retratos pessoais, quanto pela importância que os nomes e sobrenomes passam a ter na forma como o indivíduo apresenta-se frente à sociedade.


Referências

  • HOBSBAWM, Eric. Cap. 11: Os trabalhadores pobres; Cap. 13: A ideologia secular. In: _____. A era das revoluções (1789-1848). 9ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996, pp. 221-237, pp. 255-274.
  • CORBIN, Alain. Bastidores. In: PERROT, Michelle (Org.). História da vida privada (vol. 4: Da Revolução Francesa à Primeira Guerra). São Paulo: Companhia das Letras, 1992, pp. 413-465.